Este é o relato pessoal da Observação do Eclipse Anular do Sol, realizada no dia 3 de Outubro de 2005, na Quinta do Pação, Freguesia de Rio Frio, Concelho de Arcos de Valdevez.
À parte uma ligeira neblina matinal, o céu esteve limpo, sem núvens.
A observação foi realizada com um telescópio LX90 a 76x numa ocular 26mm Plossl e uns binóculos 10x50mm.
O registo de imagens foi conseguido através uma câmara analógica NikonN70 com uma objectiva zoom de 100/400mm e filme 35mm para slides Fuji Sensia100ASA, e uma câmara digital CanonPowershot.
07h02 – Acordar. A manhã apresenta-se com neblina, mas o céu está limpo.
07h27 – Depois de um pequeno almoço farto, saí para o Local de Observação
07h40 – Acabei de instalar todo o equipamento e tirei as primeiras fotos.
07h45 - O Sol apareceu entre as árvores, na propriedade ao lado.
08h10 – O Sol destacou-se das árvores.
08h13 – A minha vizinha, a Dª Carolina, acena por entre as couves e pergunta o que faço ali
a estas horas do dia. Explico-lhe e convido-a. Diz-me que tem de ir à vila.
08h22 – É preciso aguentar ... Se não fosse o facto de saber o que se vai passar, o
início do dia seria igual a todos os outros dias.
08h27 – Não se nota nenhuma alteração sobre os limites do disco solar. Volto a estar
ansioso.
08h38 – Eu vejo! Dá-se o primeiro contacto. É um ligeiríssimo achatamento sobre o eixo
do bordo superior do Sol...Com o filtro Baader não deu para ver qualquer proeminência solar ou lunar.
08h41 – Torna-se mais vísivel a sobreposição da Lua no plano Terra-Sol.
Pela forma como decorre a progressão da sombra, acho que posso concluir que
deste sítio terei visão total do Eclipse Anular. Talvez um pouco descentrado ...
08h58 – A Lua ocupa agora quase metade do diâmetro aparente do Sol.
A imagem surge como os crescentes islâmicos ou um smile amarelo
09h00 – Os vértices causados pela inserção da Lua no disco solar são perfeitos.
Ainda se nota bastante turbulência térmica. Os pássaros e os cães continuam a emitir os sons habituais e são distintos os que resultam dos trabalhos rurais nas proximidades.
O vale está coberto por uma ligeira neblina que torna a paisagem acinzentada.
09h25 – Tenho tirado várias fotos com a NikonN70 na qual tenho montada uma lente
de zoom 400mm que o Zé Manel me emprestou, mas a trabalhar com 200mm.
Por qualquer motivo que ainda desconheço, não consigo fazer fotografias com
Canon PowerShot. Só espero que os slides da Nikon saiam correctos...
09h35 – Mais de metade do diâmetro aparente do Sol está agora oculto pela Lua.
Aproxima-se o momento do segundo contacto, aquele em que todo o diâmetro da Lua ficará contido no plano da imagem do Sol.
Até ao começo do Eclipse era evidente que a temperatura estava a subir gradualmente (tenho pena de não me ter lembrado em trazer um termómetro para medir a eventual variação durante o eclipse ... ), mas agora noto que está mais frio, pois a minha careca sabe do que estou a falar, quando falo de diminuição de temperatura ....
09h55 – A diminuição de luminosidade é agora evidente e da temperatura também. Já não é só a falta de cabelo, todo o corpo sente a falta do calor que se apercebia ainda há poucos
minutos. O céu está limpo, mas, no vale mantêm-se uma ligeira neblina.
Estes efeitos não parecem ter afectado o comportamento dos animais. Continuo a ouvir os pássaros e as galinhas a cacarejarem. Os cães ladram, mas acho que ladram como sempre ladram os cães. Próximo, embora sem a ver, ouço uma mulher comentar que parece estar mais escuro e que isso a leva a interrogar-se se não “será daquela coisa do eclipse”.
09h58 – Já tinha lido que nas observações de eclipses o tempo é terrivelmente curto, que não há tempo a perder ... e que entre o registo fotográfico e a observação tudo se passa
sem que consigamos acompanhar o ritmo a que os acontecimentos evoluem.
09h59 – A totalidade da imersão da Lua no diâmetro do disco solar, o Eclipse Anular do Sol no seu máximo, já terminou. É evidente a descentragem dos 3 astros.
10h00 – Recebi muitas SMS’s dos meus amigos, astrónomos ou não. O Rui Santos, que está
em Bragança, diz que foi maravilhoso. O Pedro Afonso ligou-me a dizer que estava nos
degraus da Igreja do Carmo, de óculos de protecção colocados, e que por isso temia que as pessoas lhe começassem a dar esmolas. Acho que ele é homem para agradecer ..
Envio também uma SMS ao Nuno Coimbra, que não pode estar a observar o Eclipse como ele bem gostaria .
10h05 – Apercebe-se o aumento da temperatura ambiente e o crescendo de luminosidade.
Nestes últimos minutos percebi o que se passava com a Canon Powershot. Quando
colocava o filtro à frente da lente surgia uma dispersão luminosa que afectava a foto.
Consegui corrigir isso ainda a tempo de conseguir um boneco do Eclipse Anular.
As abelhas e as moscas zumbem à minha volta e a mergulho na contemplação da
Natureza em volta.
10h25 – Os 3 astros continuam as suas rotas e afastam-se cada vez mais do alinhamento. Não posso deixar de imaginar o som mecânico do relógio celeste, em estéreo e ao melhor estilo da “Guerra das Estrelas” do Spielberg.
10h30 – Continuo a tirar fotos com ambas as máquinas. Lembro-me que talvez seja uma boa ideia construir aqui, nesta leira, o meu observatório permanente. A visão do céu é
enorme e a eclíptica é toda abrangida deste local. Aproveito 4 paus e delimito-me uma área de 2x3m. Parece suficiente ...
10h45 – Está agora uma temperatura normal, quente, que me obriga a tirar o casaco e a
camisola. Penso no que poderia não ser a nossa vida se não tivessemos o Sol para nos aquecer. Já se torna obrigatório o uso de chapéu.
10h55 – O rolo de slides começa a chegar ao fim. Reparo agora que não registei o momento
do 3ºcontacto.
11h05 – Só uma pequena calote de sombra se mantém sobre a zona inferior do disco solar.
11h14 – O Eclipse está a chegar ao fim. A percentagem de sombra é já pequena. Só é
discernível com a ajuda do telescópio, pois os binóculos 10x50 que estou a usar
praticamente não a registam. Preparo-me para as últimas fotos.
11h17 – Acabou.
11h25 – Sentei-me à mesa de trabalho e, enquanto ouço a Antena2, vou escrevendo as
últimas linhas deste registo.
A luminosidade é intensa e fere os olhos. A neblina mantêm-se estável no vale.
As galinhas já puseram os ovos e deixaram de cacarejar. Perto, uma moto-serra zurze
a madeira de uma árvore que tomba. Os cães recolheram-se à sombra das casotas.
As últimas horas ofereceram-me momentos mágicos na vida.
Penso, também no próximo Eclipse, mas mais na rapidez com que tudo se processou e fico incompreensivelmente absorto sobre a ideia de Tempo e dimensão. Não consigo ter mais ideia nenhuma sobre isto e dirijo a minha atenção de novo para o papel.
Os astros lá vão fazendo o seu caminho e nós o nosso, e eu fico para aqui ao meu geito, satisfeito e aparvalhado, rendido à transitoriedade da efémera importância de neste momento ter assistido ao Eclipse Anular do Sol. E sinto-me bem, pronto.
Uma abelha pousa, por instantes, sobre os meus binóculos e depois volta à sua faina.
Eu, agora, vou ter que carregar quase 40kg de material leira acima, limpar as ópticas e arrumá-los para a próxima observação.
Tenho ainda um entrecosto para grelhar e que vai ser acompanhado com uma litrada de vinho doce, tirado ontem á noitinha da pipa após a vindima no campo da minha vizinha Judite.
2028 ... ?!!